Oito e Oitenta

Jota Borgonhoni
2 min readJan 29, 2016

O cristão é o mais brando e o mais violento dos homens pois reconhece como iguais as virtudes da humildade e da coragem. Por um lado, sabendo-se pequeno, pobre alma frágil, busca a real medida de seu tamanho. A cada erro reconhece a sua limitação diante de um Deus imenso e bondoso. Diferente da moderna idéia de evolução da alma, ele se percebe constantemente o menor dentre todos: “Senhor, tem piedade de mim!” é o seu mantra. Porém, por outro lado, por buscar apoio no Deus sobre todas as coisas, ele sabe que abraça a Verdade e sente-se honrado em ter recebido a graça de conhecê-la. Por isso tem consciência que deve defendê-la com unhas e dentes, se preciso for até mesmo com a morte. Como nao existe moeda de uma face, para ter valor ele deve possuir os dois lados: nunca pode ser oito ou oitenta, ele é oito e oitenta.

Enquanto o homem moderno se contenta com um arco existencial limitado entre a frustração apática e o prazer ínfimo – pois sempre negando uma parte da realidade, cria para si ideologias limitadas baseadas em jogos mentais ou pegadinhas verbais -, o cristão vive seus dias entre o céu e o inferno. Pois se de um lado comunga a graça infinita de sempre poder voltar ao lar e tocar a Eternidade; por outro, enxerga em si e no mundo a maldade que pode negar a todos essa glória. O cristão não nega nada da realidade, busca enxergar o mundo como ele é, e sofre por tentar entendê-lo: do genocídio ao sacrifício, do aborto ao parto. Por ter gravado em si a presença da Bondade, busca ser o melhor possível; conhecendo a Justiça, busca ser o mais justo; conhecendo a Verdade, busca ser o mais verdadeiro.

Essa possível contradição, enlouquecedora para os céticos, é apenas a condição humana levada à máxima exigência.

Pois “a cruz embora tenha no centro uma colisão e uma contradição, pode estender os seus braços para a eternidade, sem alterar a sua forma”.

O cristão, como o filho que usa as roupas do pai e se mede na frente do espelho, é chamado a deitar-se sobre essa cruz e – experimentando o amor e a dor – toma-a como medida para toda a sua vida.

Citacao de G K Chesterton – Ortodoxia (páginas 51 e 73)

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